segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Correr é continuar o eterno

“Na corrida já não estamos primitivos caçando uma presa, sanguinários.

Estamos correndo de encontro a sentirmos “o si mesmo”, sanguíneos.

Esta corrida nunca acaba, e nem por isto nos afoba:

quando corremos estamos, a cada passo, em nós mesmos:

o ser que pisa.

Cônscios que não há lembrança que resgate o fictício primeiro passo

dado antes mesmo de nascermos pelo movimento incessante do infinito,

tampouco haverá o último, porque morrer é simplesmente espalhar-se pelo tudo:

continuando a corrida sem início ou fim,

por isto, enquanto corpo, continuamos dentro da pegada.

Eis que somos um meio!”


Cada um corre de sua forma. Uns correm atrás de números, outros atrás de mais vitalidade; uns usam o número (uma marca) para adquirir tal vitalidade, outros nem querem saber da vitalidade, do ritmo próprio, da volta que se dá dentro do próprio corpo. Mesmo assim esta outra volta está sendo dada. Estes que não sentem isto, estão correndo por fora e por isso querem quebrar uma meta que é do mundo, nem é mais do atleta recordista, mas do mundo. O recorde é mundial. O meu “vencer” é outro.

Para mim a coisa se revela um tanto diferente.

Correr é uma forma corpórea de se conhecer, há o referencial de outros... É um jeito de se descobrir o corpo. Correr nos proporciona isto. Foi-se o tempo que o corpo era a constituição do pecado. Isto se tornou uma concepção um tanto estúpida.

Olhar uma marca, comparar é uma forma de nutrir o consciente, dar-lhe uma “vitória” ou “derrota”, matando sua sede gananciosa do mundo externo. Também saudável! Enquanto houver esta sede, demo-lhe de beber! Somos ricos.

Porém, não quero precipuamente a competição, quero a corrida à minha passada, porque quero a mim também corpo, sobretudo corpo. A competição me serve, estimula o retardatário que sou. A competição me é saudável no que me dá as primeiras referências externas (tempo, outras marcas etc) e, quero crer, por enquanto. Enquanto não acho a minha própria medida. Enquanto não me encontro.

Darmo-nos uma referência revela-nos. Alivia-nos do “eterno” pensar, da introspecção ensimesmada e até doentia. Correndo não estou próximo, estou dentro de mim, estou eu. Sou; mesmo filósofo, porque é pelo fato do filósofo saber que sempre está transitório é que há também os estados de ser. Logo, uma sensação foi capaz de dizer-me: sou. E todo ser é também transitório.

Nosso egoísmo é que quer achar um jeito de sermos eternos, não nos quer dar ao mundo, mas não terá escolha! Um dia, morrendo, vamos nos espalhar pelo tudo.

Sou, de tão envolvido em respirações, em pulsações e de todo resto distraído. Envolvido na vida, como um budista, mas ainda com um desejo bem centrado: a linha de chegada. Correr nos centraliza!

Um budista, mas que ao invés de parar e meditar procurando por si, encontra seu ritmo de matéria viva, continuando a vida no seu fluxo natural, que ora é corrido, ora caminha não se rendendo. Não pára nunca! Sinto-me então mais de acordo com a existência, com tudo.

Depois, é me olhar de fora, já fotografias e marcas; e assentar que correr é uma filosofia bem sucedida. É se ter encontrado e estar fazendo aqui, neste lado de fora, no mundo, uma volta “desconsiderável”, posto que há todo um mundo infinito, porque redondo, para se dar voltas – poderíamos, simplesmente, nos ater a isto. Sermos cruéis conosco sobre esta perspectiva.

Mas não é só, concluo diferente: enriquecedor mesmo é o que se opera dentro da gente nesta corrida: este conhecer; este tocar com limites o corpo, em que dentro dele há uma linha de chegada não tão simples e retilínea, contudo, plausível que todo ele se opera em vitalidades.

Todo o corpo trabalha uma vida segregando para dar espaço a uma nova vida. Suor. Comunica-se sem palavras, sem pensamentos, palpita o coração, o corpo troca com o mundo numa necessidade de ar – arfamos (Oxigênio! Oxigênio! – o corpo implora sem palavras), o mundo modera na concessão porque nos tornamos exigentes, mas termina por nos permitir respirar, também falando conosco e dançando neste ritmo de troca, impondo-nos sua política de natureza. Cambiamos!

Olhar só para os recordes do mundo, então, se torna pouco. O corpo em relação vital nos institui assim nossa própria meta, porque mediu nosso pulso! Desta forma, dá-se o “enxergarmo-nos”. A medida a ser superada é a nossa medida. Oxigênio! conseguir que o mundo nos dê mais. E já não estamos, despercebidos, tão somente no corpo, estamos na linha que o entrega à harmonia com o mundo. Correndo sentimos mais que somos parte da natureza. Aprendemos a nos comunicar com ela em prol de uma superação. O fluxo do eterno que demonstrarei ao concluir.

O consciente se submete, este seja o grande pudor dos intelectuais, querem o consciente como seu gerente geral. Todavia, eu não quero ser só meu consciente (não sou), quero o que já tenho estabelecido (corpo), e não usar somente aquilo que ainda está em desenvolvimento egocêntrico.

Talvez o consciente, já que é seu papel, se autoavalie ante esta postura e se ajeite, ache o seu lugar, a sua posição, através deste exercício que tenciono continuar. Assim ele está pensando agora. E, talvez, possa dizer para sempre, que a matéria continua, morre o consciente. Surgiu no homem, faz algum tempo, a primeira coisa que morre: o consciente, este narrador, morrerá. A matéria continuará por aí, correndo o mundo.

É isto, correndo sou eterno. E um eterno tão livre de se ver eterno que não enfada correndo seus medidos 5, 10 ou 21 km de asfalto, pois sabe que a largada terá sido anterior, é por isto um tanto fictícia – e mais bela seja por isto - esta largada, as vestes que usa a matéria são de todos os tempos, do infinito.

Quando disparam o cronômetro, eu agora entendo meu sorriso: há muito tempo que corro, antes mesmo de ser eu, e esta corrida é que juntou as coisas a me fazer vida. Rio, então, porque a largada não existe, é coisa dos homens, das organizações conscientes.

Eu não largo, jamais poderei largar, apenas continuo o eterno ritmo que é muito maior do que possa dar conta meu pequeno consciente.

Eu não largo, continuo um ritmo que, entre outras coisas, gerou e gera vidas!

A esta linha de chegada me trouxe o Ihuu através da minha adorada prima: somos um corpo.

Obrigado!

Frederico Melacocci (Rodrigo Machado Freire)

3 comentários:

  1. Rodrigo, seja muito bem-vindo!!

    Que você faça muitos "ihuus" em sua tragetória!!

    Aline Katiúcia

    ResponderExcluir
  2. Ihuu!!
    Estou impressionada com o texto, e agora consigo entender a diferença entre um poeta e uma pessoa normal. Os poetas conseguem entender as emoçoes desde o primeiro momento, por isso, um corredor iniciante descreve exatamente a sensação que é participar de uma corrida.

    ResponderExcluir
  3. Ihuu,queridos membros,

    Este grupo belo faz por merecer mais que isto.
    De toda forma, agradeço os comentários tão positivos!

    A reflexão busca identificar e compreendendo a simpatia que tive ao integrar o "Ihuu". Correr para meu consciente seja isto...

    ...E ainda algo mais para todo o resto que é corpo em vida deste atleta sedentário(risos).

    Grato!

    ResponderExcluir